Coisas do Coração

Viva o Bahia!

Posted in Coração by adilson borges on 28 de novembro de 2009

Adilson Borges

Olhei para a cara bonita… e indecisa. Não tive dúvida,  sorri para ele e, como nas arenas da Roma antiga,  fiz com o polegar o sinal de aprovação. Chico, então,  entrou no coro das cerca de  34 mil vozes vestidas de vermelho, azul e branco:

– Terceira é o caralho!  Terceira é o caralho! Terceira é o caralho!

O jogo ainda estava no primeiro tempo, mas o Bahia, ganhando de 1 x 0, já comemorava. A torcida Bamor, enlouquecida, rufava os tambores e emitia gritos selvagens que riscavam o céu azulado do sábado de sol, sem a solidão dos pensadores.

A centelha de loucura percorria o estádio de Pituaçu, em Salvador.  O Bahia, “time de raça e tradição”, hoje em decadência na segunda divisão,  enfrentava o Guarani sem dilema. Sua missão, para não ser rebaixado para a Série C, era vencer ou vencer.  E venceu: 2X0.

 Vambora Bahêeea! 

Boné, camisa e toalha, todo enfatiotado com as cores do seu time, Chico, meu filho de 11 anos, era a própria felicidade. Há muito tempo vinha pedindo que alguém o levasse para ver o Bahia jogar. Desde o tempo que a Fonte Nova era o território do “Esquadrão de Aço” – quando parte do anel do estádio desabou, matando e ferindo torcedores quase dou graças a deus por não ter atendido ao pedido do renitente tricolorzinho.

Aqui, em Pituaçu, no meio da zoeira, olho para o estádio com curiosidade e medo de turista. Imagino o que sentiria um paranoico no meio de tanta gente. E se eles achassem que sou da tropa do arquiinimigo deles, o Vitória?, pensaria o maníaco, em que agora me transformo:

 “Eu sou Bahia, com muito orgulho”, canto,  explicando e gritando e correndo pela avenida Paralela,  atrás de mim todo aquele pessoal em fúria. Calma pessoal, é a primeira vez que venho a Pituaçu, mas já fui à Fonte Nova; uma vez só, mas fui, há 23 anos, para levar meu filho Saulo, então com 10 anos. O bichinho pedia, pedia, e um dia, finalmente atendi. Foi um fiasco. O pneu da Brasília furou, caiu um toró e a gente voltou para casa todo sujo e molhado. Pensando bem, a chuva, até que ajudou a disfarçar as lágrimas pela derrota do Bahia.

A sinfonia rubro-negra de Exu

Posted in Coração by adilson borges on 5 de maio de 2009

imgp19491exuParece que Exu folgou hoje (4 de abril 2009) e passou o dia folgando na Bahia. Sempre vestida de vermelho e preto, a entidade foi vista em todo lugar, bebendo cachaça ou vinho, fumando charuto ou cachimbo, pensando em jogo ou sexo, sempre com aquele ar zombeteiro – impiedoso com os adversários.

Se alguém deixou de receber cartas de amor ou de cobrança, bilhetes apressados, recados bonitos, e-mails ou telegramas tão esperados, pode cobrar de Exu, o mensageiro entre o mundo dos homens e dos orixás.

Um dia depois da vitória sobre o tricolor, trabalhar pra quê? Sou de ferro, não, moço, disse o rubro-negro, com voz miúda, e forte suspeita de falência nos pulmões, na fila do Raios-X. Perto da mesma clínica de diagnóstico por imagem, na Pituba, o orixá tomava conta de carro. Era o mesmo menino, o olho inquieto denunciava, mas já estava velho (“seu velho”, ironizou baixinho ao dizer a idade, 68 anos).

O disfarce mais perfeito só descobri agora quando estava escrevendo estas pretinhas. O corretor sublinha de vermelho quando escrevo coisas que ele considera estranhas, como a palavra Pituba. Eu sei que o sistema Windows é culturalmente analfabeto, mas você, logo você tão versado em línguas, não me engana, não, Exu. Você tá botando a cara do Vitória no texto, provocando um fenômeno que os lingüistas empolados chamam de verbicovisual.

Me tira de problema, rapaz, já basta o esporro que posso levar da comunidade do candomblé: Como é que um nego deste se atreve a usar uma entidades nossa para coisas tão terrenas como campeonato baiano. Vê se alguém faz isso com os santos católicos? 

Perdoem-me mãezinhas e irmãozinhos, se insisto neste tema, mas não acho que o Exu seja Vitória. Nem Bahia. Nem Colo Colo. Mas a cor do campeão baiano de 2009 se oferece para a curtição, a seiva que alimenta o orixá. Aí, ele aproveita para debochar dos velhos, dos meninos, dos homens e das mulheres…

 

Ela é orixá, orixá é ela

 

Por falar em mulher, ficou com uma delas, aliás, o segundo lugar da camuflagem do zombador, depois da letra vermelha borrando as Times New Roman. Ela trabalha (ou só apareceu hoje) em um laboratório onde fui, em jejum de 12 horas, levar um pouco do meu sangue para uma avaliação do tal do colesterol.

– Como está você, Adilson? – Perguntou olhando para dentro de mim mais fundo do que a agulhada que deu em seguida na veia do braço direito. – Acho que você está ótimo – ajuntou antes que eu pudesse responder – para quem fez cirurgia do coração há pouco mais de um mês, é claro.

Já estive naquela clinica, sim, não esqueço, foi exatamente no sábado, 4 de abril, quando soube da morte de Jônatas Conceição, meu amigo, militante negro, poeta e intelectual. Não me lembro, no entanto, de ter visto aquela moça, muito menos de ter falado sobre minha saúde. Tudo bem, posso ter abordado casualmente o tema, quem sabe ela até colocou tudo no prontuário do laboratório, junto com meu telefone, meu cadastro.

Mas por que razão ela, tão nova, não me trata como “Seu” Adilson, como tem ocorrido repentinamente com tanta gente após a cirurgia, sobretudo agora que estou usando esta barba toda branca, que não posso cortar devido a uma incômoda alergia?

A resposta demorou um pouco, mas caiu do colo da moça, quando ela se debruçou para extrair o rubro escuro das minhas veias. A medalhinha do Vitória despegou-se do peito farto, esfregando a verdade em meu nariz. Ela era Exu. Exu é Ela. Elexu.

A certeza de que Exu aparece aonde não se espera e foge de onde se espera alcançá-lo tive mais tarde, ao resolver comemorar o resultado de consulta com o doutor Marco André Sales, especialista em ecocardiograma. O doutor maratonista me deu ótima noticia: minha pericardite (líquido no coração, subproduto de cirurgia de safena e mamária que afeta provincianos como eu e o radialista Mário Kertész, mas também famosos mundiais como o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o bon vivant ) está por um fio.

 

Bebendo o Bahia

 

Peguei Marília, aliás esta me pegou já que ainda não posso dirigir, e fomos almoçar na Casa do Comércio. Ao chegar, percebi movimentação estranha na área reservada do restaurante. Não liguei, porque tinha uma única preocupação, pedir duas taças de vinho, uma para cada, antes que minha santa mulher o proibisse, como revelou mais tarde que pensou em fazê-lo, ou quem sabe negociasse uma taça para os dois, já que eu bebera duas ou três no meu primeiro fim de semana com liberação médica.  “Sem exagero, Adilson”, dissera uns 15 dias antes o cardiologista Eduardo Novaes e repetira mais recentemente a doutora Cristiane Pereira, especialista em alergia.

Após abater na área a resistência de Marília, tinto seco e água mineral na mesa, relaxei e olhei para o outro lado, literalmente no sentido do Barradão. Na arquibancada, vejo então toda a diretoria do Vitória, bebendo o campeonato, que engoli em seco no domingo pela televisão.

 

Parêntese e pedido de perdão

 

(Assisti deitado na cama, violão nos dedos, tocando o hino tricolor, sem parar desde que o Bahêêêa fez o primeiro gol debaixo daquela chuva infinita. Sabia que se parasse, o feitiço perdia o efeito. Quando o Bahêêêa fez o segundo, tive certeza que estava no caminho certo. Liguei para Chico, meu filho de 11 anos, e dei a boa noticia. Meu fanático tricolorzinho estava no cinema, com a irmã da idade de Cristo, Cristiana, e a sobrinha (minha neta) Gabriele, da mesma idade dele. Chico queria ir ao Barradão, como não pôde decidiu assistir a Monstro versus Alienígenas. Foi a saída que encontrou para poupar o coraçãozinho… No intervalo, cometi um erro e, por isso peço perdão, Chico: parei de tocar o hino e aí houve o que houve.)

 

 

BA-VI na Casa do Comércio

 

 

Jorginho Sampaio e a galera rubro negra beberam vinho vermelho (faltou aquele pão preto), tomaram cerveja, discursaram, até com direito a aparte de alguns oradores de ocasião. Entre os convidados, vereadores como Silvoney Sales. A libação foi esquentando e houve aqui e ali um grito de guerra “Nego, Nego”. Os garçons mais experientes da casa estavam a postos. Colados na porta e paredes laterais da Casa do Comércio esperavam, pacientes, e respondiam solícitos ao serem acionados pelos vencedores. Mas que tinha um garçom com uma cara retada de Bahia, isso lá tinha. Depois eu pergunto a ele, em particular…

A garçonete (estagiária) estava convocada para a posição errada naquele jogo. Queria estar lá servindo a turma vermelho-e-preto. Mas não teve esta sorte. A Vitória, “de coração doente”, contentou-se em servir ao casal tricolor, cujo macho (Bahia relapso, que pouco acompanha de futebol, mas Bahia) recupera-se de doença do coração. Será por isso que ela me trouxe a conta antes dos cafezinhos?  Não. Deve ser paranóia…

 

 

Afastaram o cálice de mim! 

 

Após os discursos, bebidas preliminares, saladas e pães à guisa de entradas, o plantel vermelho-e-preto (de coração diga-se, porque não havia nenhum usando as cores do time) resolveu cair no principal. E tome-lhe comida nas barrigas estufadas dos gabinetes.

Mas Exu, que não vai aonde o esperam e que não gosta de obviedade nem cartola, não estava lá. Estava nas ruas, nas praças, nos becos, fazendo festa e gozação com o Bahia, que quase botou a mão no cálice do Santo Graal. Estava no olho preto da pancadaria que rolou após o jogo sob o dilúvio.  Estava no olho vermelho da alegria e da tristeza no Barradão.  Estava no seio discreto da moça de medalhinha vermelha e preta no laboratório do Imbuí, no boné roto do velho na Pituba, no pulmão frágil sanguinolento do rapaz à espera da chapa do Raios-X.

Chico vai me matar, mas tenho que dizer:

Parabéns, Vitoria!